O SILÊNCIO DA IGREJA III - A doença do relativismo

Claudio Alves

“Castigarei os homens que, sentados em suas fezes, dizem consigo mesmos: O Senhor não faz nem bem nem mal” (Sofonias 1,12).

Esta passagem do Profeta Sofonias foi trazida para dentro de minha vida durante uma viagem à Romênia – lá se vão 25 anos! –, onde pude conversar com alguns sacerdotes que haviam passado mais de uma década nos cárceres do ditador Ceausescu. Naquele país, durante toda a ditadura comunista a Igreja Católica foi proibida e os sacerdotes jogados em prisões entre criminosos comuns.

Um desses sacerdotes descreveu-me detalhadamente seu martírio, afirmando que sua luta mais difícil não fora para sobreviver fisicamente, mas para manter a fé. E espantou-me a descoberta de que ser cristão no Brasil de hoje, mantendo a fé intacta, não é menos difícil que viver nos cárceres de além cortina de ferro.

Ao ser trancafiado em meio a diversos criminosos, alguns dos quais da pior espécie, disse-me o sacerdote que tamanho horror tomou conta de seu espírito que não conseguia comer ou dormir. Causava-lhe profunda repugnância ter de conversar ou rir com pessoas que haviam estuprado, matado e devorado corpos humanos. Nos primeiros dias, ficou em silêncio total. Pouco a pouco, porém, o instinto de sociabilidade foi subjugando-o e, abordado pelos “companheiros de infortúnio”, começou a responder suas perguntas. Paulatinamente, as conversas ficaram mais livres e falava-se de crimes, imoralidades e outros horrores. Para não despertar os instintos violentos daqueles monstros, o sacerdote passou a não criticar nada e, depois de alguns anos, achou-se rindo involuntariamente dos ataques à religião. O convívio diário com os facínoras empedernidos e seu silêncio por autodefesa fizeram adormecer paralelamente em sua alma o amor à verdade. Assim, o sacerdote tornara-se exemplo vivo de uma das máximas católicas dos antigos tempos: “tudo o que permanece na sombra e dorme se habitua ao esquecimento e consente na morte”.

Nossa Senhora Desatadora dos nós

Em 1989, a ditadura comunista de Nicolau Ceausescu foi derrubada por uma revolta popular, e a Igreja Católica ganhou a liberdade. Os sacerdotes puderam novamente ver a luz do dia, mas, apesar disso, aquele sacerdote não voltou logo para suas funções – julgava-se indigno, pois durante anos havia relegado a segundo plano os dogmas e as verdades da fé Cristã. Foi a caridade de seu bispo e muita oração que o fizeram vencer a maior tentação de nossos tempos – o relativismo.

Doença do espírito

O relativismo é a crença de não existir a verdade. Para o relativista, as convicções, ainda que opostas, se equivaleriam, e toda afirmação categórica não é senão respingo de algum fanatismo. O relativista tende a pensar que o bem está sempre e unicamente no meio-termo. Isto é, numa acomodação entre todas as opiniões, por mais diversas que sejam, e por mais contraditórias que se apresentem.

O relativista é só um ateu que está atrasado em suas conclusões. Ele não dá valor à Revelação e vê as Sagradas Escrituras como meras alegorias. Um cristão relativista é aquele que quer se salvar, mas não tem horror ao pecado que o leva para o inferno. De nenhum modo quer saber de se afastar das ocasiões próximas de pecado, preferindo semear flores na borda do precipício.

Sala Paulo VI

O relativista cantará ou dançará, sem se arrepiar, um rock satânico, como o “Highway To Hell”, da banda AC/DC: “Sem sinais de paradas, nem limites de velocidade / Ninguém para me atrasar /Como numa roda, tudo vai girando / Ninguém por perto para me chatear / Ei satã, já paguei minhas dívidas / Tocando numa banda de rock / Ei, mãe, olhe pra mim / Estou indo para a terra prometida / Estou na autoestrada para o inferno (não me pare).” Ou assistirá sem pejo a um filme ocultista, como tantos que passam na televisão de hoje.

Ou, por outro lado, o relativista católico não tem horror ao casamento gay, ao adultério ou ao nudismo. Ele, no fundo, quer saborear a vida ao máximo, e tudo o que se antepõe a seus prazeres deve ser desintegrado. Ele nem sempre ousa negar a verdade, mas a diminui ao ponto de equivalência com a mentira. E, neste processo, afirma ser um homem livre.

A salvação pede luta

Sem grande esforço, podemos identificar a nosso redor uma grande quantidade de pessoas que assim pensam. Quase tudo o que é público hoje é alvo de uma verdadeira pressão relativista, por meio de críticas, risos, deboches, desprezo. Ainda não é uma pressão cruenta, como a que quase levou o padre romeno a abandonar a fé. Mas, na mídia, nas leis e em boa parte do tecido social, a profissão de verdades fundamentais perdeu o direito de cidadania e vai se refugiando em bolsões. É a “ditadura do relativismo”, na feliz expressão do Papa Bento XVI em seu famoso “relatório sobre a fé” – expressão também utilizada pelo Papa Francisco recentemente.

O martírio espiritual moderno aumenta à medida que vai triunfando nas faculdades, nas escolas, e na mídia a malfadada doutrina essencialmente relativista do “politicamente correto”. Até mesmo nas hostes santas, alguns líderes parecem ter medo de assumir a verdade integral pregada pela Igreja. Tudo aquilo que desagrada alguma “minoria” é caracterizado como “fobia”. Verdades indiscutíveis da Revelação tornaram-se afirmações impróprias para serem repetidas. Já são socialmente proibidas verdades como “a Igreja católica é a verdadeira”, “Deus criou Adão e Eva”, “existe uma moral objetiva”, “temos que amar o pecador, mas odiar o pecado”, “o homossexualismo é um pecado que brada aos céus”, etc.

Infelizmente, a pregação dominical há muito deixou de combater o relativismo. Prefere-se “combater a pobreza”, embora esta nunca tenha sido a finalidade da encarnação do Verbo de Deus. Jesus não se deixou crucificar para enriquecer materialmente os homens, mas para que pudéssemos crer na Verdade, que é Ele mesmo.

Para o cristão relativista, o céu não é uma meta. Aproveitar o mundo, sim, pouco importando se é pecado ou não... porque Deus não faz nem bem nem mal.